Toque da viola acompanha batida de casco de mulas e cavalos
Passo dos animais leva ao ritmo da toada, enquanto o trote leva ao arrasta-pé. Instrumento faz sucesso entre jovens e já existe até orquestra de violeiros.
Por Globo Rural
06/01/2019 09h25 – Assista o video da materia completa
O Globo Rural já mostrou: por séculos, o Brasil foi feito no lombo do burro e da mula. Tudo era levado pelas tropas, inclusive a música. Mas até que ponto o batido dos cascos no chão influenciou os nossos ritmos caipiras e nossa viola?
Com autoridade de quem prepara e negocia, em média, mil mulas e burros por ano, Álvaro Biasetto, o Gígio, explica como o mundo equestre é musical. Assim como cada pessoa tem um jeito de caminhar, cada animal, de cada raça, tem seu andamento peculiar.
“Isso não é coisa que se aprende em livro e em CD, não. Só quem monta em bastante animal para conhecer o que é andamento”, diz Gígio.
Basicamente, cavalos, mulas e burros se dividem entre trotadores e marchadores. Mas há inúmeras subdivisões de andamentos: o passo, que na viola percute no ritmo da toada; o trote, que é um convite para o arrasta-pé; a marcha, que se encaixa com uma guarânia; o galope, que se parece com o pagode.
A violeira Adriana Farias e o compositor João Paulo Amaral se divertem com consonância. “A música raiz, caipira, tem muita inspiração em tudo que acontece na natureza. Quando a gente faz aqueles passeios a cavalo, a gente vai cantando em cima do lombo do animal e vai entrando naquele ritmo”, diz Adriana.
“Quando o cavalo faz aquele ritmo mais contínuo, lembra um pouco a figura rítmica da semicolcheia. Aí você consegue associar com algum ritmo que tenha essa mesma característica.” — João Paulo Amaral, violeiro e compositor.
Não é científico, mas é uma evidência de conjunção das culturas tropeira e violeira.
Violeiro da nova geração
Considerado um dos músicos mais completos de sua geração, Neymar Dias, que toca guitarra havaiana, violão, cavaquinho, teclado e baixo acústico, gosta mesmo é de ser identificado como violeiro.
Muito requisitado em gravações, ele faz parte daquela estirpe de criadores que procuram expandir os limites da música caipira, respeitando, preservando e refinando o gênero.
Neymar tem um pé na roça. Seu pai, Deoclédio Xavier Dias, de 76 anos, oficial de Justiça aposentado, mas até os 21 foi lavrador em plantação de café no interior de São Paulo. Ele foi para a capital sonhando em fazer sucesso tocando viola com uma dupla caipira. Tocava viola, participou de festivais, chegou a gravar discos – e Neymar cresceu nesse ambiente de música sertaneja, caipira.
Aos 6 anos, já se apresentava em programas de televisão. Buscou erudição cursando composição e regência. Duas coisas lhe deram rumo: a cultura sertaneja transmitida pelo pai e a mudança na música caipira realizada na década de 1980 em diante por artistas que se consagrariam depois, como Roberto Corrêa, Ivan Vilela e, especialmente, Almir Sater.
Autor da trilha do Globo Rural, Almir é reverenciado pela nova e velha geração. Violeiro que se preze tem que saber tocar “Luzeiro”, tema do programa, composta em homenagem a um cavalo.
O Almir Sater gravou 2 discos instrumentais de viola. Foi um novo começo para a garotada que estava começando a tocar e viu que essa viola poderia ser encaixada em outros estilos. A referência que eles têm já é outra, não só as duplas caipiras de antigamente. [Almir] apontou outros caminhos para a viola.— Neymar Dias, instrumentista
Orquestra de violas
E se uma viola encanta tanta gente, 50 encantam muito mais. Só no estado de São Paulo, há atualmente mais de 200 orquestras de viola. A Paulistana, modelo entre elas, trabalha com um repertório sortido. Além de música caipira de raiz, toca rock, popular, samba e até erudito. A orquestra é comandada pelo maestro Rui Torneze.
A orquestra funciona como uma sinfônica. Como no baralho, que é repartido em grupos de figuras, o pessoal é dividido em naipes. São cinco e tem até as “violonas”, instrumentos adaptados com cordas mais grossas para soar como contrabaixo.
A viola ficou a cara do Brasil. É a música harmonizando um país tão diverso. Nivelando classe, raça, idade. Levantando a cortina para um mundo em que a pessoa, reunida num grupo, pode se encontrar consigo mesma.
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